Gracias, Vieja

Mãe é algo muito peculiar. Todas muito diferentes, mas com detalhes e coisas muito parecidas. A minha é daquelas bem diferentes, meio doidas, mas muito especiais. Geralmente eu dou CDs, DVDs e essas coisas para minha genitora, mas eu nunca tinha escrito nada sobre ela. Decidi inovar.

Como eu disse acima, minha mãe é uma pessoa diferente. Diferente porque aguentou o preconceito de casar com um africano, nos anos 70, sendo branca como um copo de leite. Ela, que é filha de um negro, e, na verdade, não estava nem aí, só queria ser feliz. Afinal, uma hora ou outra, seremos todos muito mais felizes, certo?

Além disso, sempre foi estudiosa, correu atrás do que é seu e após ser desenganada pelos médicos, pois não podia ter filhos, engravidou deste reles escriba – não vi lá muita vantagem para ela, mas tudo bem, cá estou.

A genitora é dona de uma sensibilidade rara, raríssima. Taróloga de mão cheia, a ponto de acertar datas e nomes – muito da minha crença nestas coisas vem dela. Só perguntei uma vez a ela o que iria acontecer no futuro, pois eu queria saber o resultado de Brasil x Chile no Maracanã, pelas Eliminatórias da Copa de 1990. “Brasil 1 x 0 e o jogo não vai terminar”. Precisão cirúrgica.

Para completar, canta com um timbre de voz absurdo e tem um gosto musical delicadíssimo. Foi dela que roubei os discos de Beto Guedes e Michael Jackson [opa, mãe, fui eu, desculpa aí]. Com ela também aprendi sobre rock, e tanto eu quanto ela temos “Rain Song” como nossa música do Led Zeppelin preferida. Sabe das coisas, a minha mãe.

Ela é tão sensível que chega a ser sonhadora ao extremo. Mas nunca deixou de me apoiar. Nem quando entrei pra faculdade e virei militante estudantil. Nem quando fui perseguido e minha formatura durou dois anos a mais por causa disso. Muito menos quando decidi pegar meu diploma, colocar embaixo do braço e encarar a vida de frente, 2.600 qulômetros longe de casa. A genitora sempre apoiou. Me chama de pragmático, de brabo, de chato, de ranzinza. E tem toda razão. Diz também que eu tenho coração de ouro, mas sabe como é, mãe é cega de vez em quando.

Um doce branco e uma cocada de sal negra. Assim somos eu e minha mãe. Ela teima em dizer que os meus olhos claros são herança dela. Eu a sacaneio dizendo que vieram do leiteiro e ela ralha, como se eu tivesse 10 anos de idade. E eu sorrio, como se eu tivesse 10 anos de idade.

Às vezes ela liga tarde da noite com saudade, e eu, mal-humorado, não dou metade do tratamento bom que ela merece, porque sou desses, observador, silencioso, uma esponja que absorve, chega em casa e precisa expurgar o peso de surfar no stress do cotidiano. E quando desligo o telefone, percebo o tamanho da burrada que fiz e fico quieto, com olhos marejados de saudade, ligando no dia seguinte inventando um assunto qualquer, como quem não quer nada.

E assim, mãe, se vão 34 anos. Espero que venham muitos mais. Há muitos grandes e especiais amigos queridos que hoje não vão poder ligar para suas velhas, pois elas já cumpriram lindamente sua missão aqui e estão repousando lá em cima, ao lado de Papai do Céu. Mas eles agradecem todo dia, como eu agradeço também. Vão se encher de emoção e meditar por elas, recebendo a energia celestial de um sorriso e um cafuné em troca.

E você está aqui, é meu dever lhe cuidar e tento fazer com todo amor e carinho, mesmo com meu jeito gauche, mesmo tão distante. Porque eu amo você. Mesmo não sendo parecido no físico, nem na personalidade maravilhosa que você tem, mas com muito orgulho, carinho e amor. Teu menino virou gente grande, vai vivendo o caminho e tudo isso por causa da bússola que ganhou de ti.

Por isso, mãe, hoje, escrevi só pra te agradecer. Por tudo, sempre. Sou e serei sempre grato à minha velha e honoravel mãe, que até hoje olha o guri dela e exclama: “E pensar que isso saiu daqui”, não sei se com orgulho ou ironia, mas sempre me fazendo rir. Obrigado. Te amo, mãe.